R$ 50 Milhões da Vale são bloqueados para garantir direitos de removidos em Antônio Pereira

Ouro Preto – A Juíza da 1ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto, Dra. Kellen Cristini de Sales e Souza, deferiu parcialmente “Tutela cautelar em caráter antecedente com pedido Liminar” proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais desfavor da VALE S.A, que solicitou o bloqueio de R$ 1 bilhão das contas da companhia para garantir compensações e indenizações às famílias que serão retiradas de suas casas no distrito de Antônio Pereira, devido à mudança de nível de segurança da barragem de Doutor. Foram bloqueados em medida liminar o valor de R$ 50 milhões da empresa, além de atender outros pedidos do Ministério Público.

Mesmo com a pandemia de Covid-19, a Vale está removendo os moradores de Antônio Pereira que estão na áreas que podem ser afetadas com o rompimento da barragem de Doutor, conforme foi comunicado pela empresa à Defesa Civil Estadual. A Vale informou que 20 famílias já foram retiradas, que no total serão 75 e que serão direcionadas para casas a serem definidas pelos realocados.

No dia 7/04, o Ministério Público apresentou o Inquérito Civil MPMG nº 0461.20.000034-1, distribuído por dependência a Ação Civil Pública n.º 5000435-60.2019.8.13.0461 referente à situação de estabilidade das barragens da Mina de Timbopeba. O Ministério Público justifica o pedido de liminar “para defesa dos direitos humanos dos refugiados ambientais decorrentes da evacuação e/ou que, de alguma forma, estão em situação de lesão ou ameaça de lesão a direitos em razão do risco de rompimento da barragem Doutor”. O Documento é assinado pelos responsáveis da da 2ª e 4ª Promotorias de Justiça , Dra. Aline Silva e Dr. Domingos Ventura e do Promotor André Sperling da Força tarefa das barragens do MPMG.

Reunião com o Ministério Púbico na Escola Estadual Daura de Carvalho no dia 10/03

O Ministério Público já vem acompanhando as famílias desde o anúncio das remoções. realizou reunião entre a Vale e a comunidade no dia 27/02 e posteriormente apresentou pedidos de informações sobre a situação da barragem e das realocações. Com a elevação do nível de segurança a partir do dia 1º, a retirada dos moradores é orientada Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM). Moradores que preferem não se identificar estão temerários sobre a retirada de idosos durante a pandemia, outra queixa dos moradores é que casas escolhidas são descartadas pela empresa devido ao valor do aluguel, e que estaria havendo reserva de imóveis melhores para alguns em detrimento de outros.Também chegaram queixas dos demais impactados que não deixaram suas casas, eles têm receio do redimensionamento da área de mancha como forma de economia nas remoções.
O inquérito Civil apresentou detalhadamente a situação de Antônio Pereira, havendo nele depoimentos de moradores que procuraram a Promotoria para relatar os impactos que já sofreram.

No relatório da decisão Dra.Kellen Cristini de Sales e Souza ressaltou os argumentos apresentados pelo Ministério Público, “que a população do Distrito de Antônio Pereira vive em constante estado de medo e ansiedade em razão da necessidade iminente de evacuação e incerteza do risco de rompimento, bem como pela falta de informação clara e precisa da ré, que, em 1º de abril de 2020, elevou para 2 o nível de emergência da barragem do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) e não comunicou a população, tampouco ao Ministério Público, e, de igual modo, não adotou novos protocolos de alerta, como o acionamento das sirenes de segurança.” Citou “a situação de grupo de pessoais mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas com deficiência, que não possuem acesso de modo seguro, ágil e eficaz a rota de fuga. Nesse sentido, expõe que os moradores do distrito: i) estão sendo interpelados pela ré para deixarem sua residência de forma abrupta e sem conhecimento de seus direitos; ii) que, não obstante algumas famílias já tenham sido removidas, pessoas residentes na zona de autossalvamento (ZAS), a ré continua a violar direitos após a realocação; iii) que todos são atingidos, sobretudo, psicologicamente, e aqueles residentes em zona secundária não sabem o verdadeiro risco ao qual estão submetidos e as medidas que devem adotar; iv) que a situação é agravada pela desvalorização dos imóveis e diminuição do movimento do comércio”.

Além do início das atividades de “descaracterização e descomissionamento da referida barragem, com início previsto para maio de 2020 e término estimado para o ano de 2029, as medidas adotadas para defender e prevenir a população aos danos são insuficientes, sem garantia aos seus direitos fundamentais e à margem das reivindicações da população atingida, que não participa diretamente na elaboração dos planos realizados pela ré”.

Em sua decisão a juíza diz “Por óbvio, diante desse cenário, não é crível imaginar, como faz crer a ré, que a evacuação está acontecendo dentro de um cronograma de normalidade, de forma programada e com possibilidade de os atingidos se ajustarem, de acordo com sua conveniência. Ora, é indiscutível o caráter emergencial da medida, não tendo a ré comprovado o contrário, sobretudo diante da incontroversa elevação do nível de emergência da estrutura. Dessa forma, entendo que há elementos nos autos que denotam a probabilidade do direito alegado, na medida em que a evacuação compulsória da área de alagamento na hipótese de rompimento da barragem Doutor (dam break e buffer), como decorrência de um risco oriundo da atividade empresarial da ré, poderá implicar às pessoas atingidas prejuízo de ordem patrimonial, além de significativo impacto em sua qualidade de vida, com reflexos também extrapatrimoniais.”

Nota da Vale

A Vale S.A. (“Vale”) informa sobre a decisão da 1ª Vara Cível da Comarca de Ouro Preto/MG, proferida em 14 de abril de 2020, nos autos da Tutela Cautelar Antecedente, processo 5000885-66.2020.8.13.0461, proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que determinou, dentre outras medidas, o bloqueio de recursos da Vale no montante de R$50 milhões, para garantia, exclusivamente, do ressarcimento de eventuais prejuízos decorrentes da remoção compulsória das pessoas residentes na possível área de alagamento na hipótese de rompimento da Barragem Doutor, pertencente à Companhia. Adicionalmente, o juízo determinou que a Vale inicie o pagamento, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da remoção, até o reassentamento definitivo, de prestação mensal emergencial, no importe de 1 (um) salário mínimo a adultos, 1/2 (meio) salário mínimo aos adolescentes e 1/4 (um quarto) de salário mínimo às crianças, a todas as pessoas que forem removidas de suas residências. Estima-se que 229 pessoas passarão a receber o auxílio emergencial.

A remoção da população residente na ZAS foi iniciada em 16 de fevereiro de 2020 pela Vale, em conjunto com a Defesa Civil Municipal, de forma gradativa e programada, em função do início do processo de descaracterização da barragem de Doutor.

A Vale informa que adotará as medidas necessárias para assegurar seu direito de defesa dentro dos prazos legais.

Promotores acompanham moradores desde o anúncio da retirada programada em fevereiro

Ouro Preto – A Comunidade de Antônio Pereira está unida e lotou as reuniões realizadas pelo Ministério Público na escola estadual Daura de Carvalho. Desde a primeira reunião convocada pelo prefeito Júlio Pimenta, no dia 12/02, para anunciar a situação de Antônio Pereira, um dia antes da coletiva de imprensa que foi realizada na manhã seguinte, com a Vale na Prefeitura. A partir deste contato o Ministério Público assumiu as reuniões e passou a realizar audiências com a comunidade. No dia 27/02, convocou a Vale a prestar esclarecimentos à população.

O Promotor André Sperling, membro da Força Tarefa criada pelo Ministério Público para acompanhar os impactos da mineração, tem sido assíduo em todoas as reuniões realizadas pelos promotores de Justiça de Ouro Preto, Dr. Domingos Ventura, responsável pela Promotoria de Meio Ambiente e a Dra. Aline Silva Barros, responsável pela 2ª Promotoria e autora dos ofícios 74/2020 que apresenta as solicitações da comunidade e do 90/2020 que reitera o primeiro.
A Vale solicitou dilatação de prazo e respondeu no dia 31/03/2020 à promotoria, sem avisar que o nível passaria ao 2, no dia seguinte, esse fato é apresentado no inquérito.”De suma importância destacar que até a véspera do anúncio, a Requerida NEGAVA a existência de qualquer situação que pudesse elevar o nível de emergência da barragem, tendo omitido tal situação até mesmo do Ministério Público na resposta enviada ao ofício nº 114/2020 da 2º PJOP aos 31/03/2020, pois não fez nenhuma menção à revisão do referido nível (fl. 596).”
E continua a observação referente à mudança de nível e o direito à informação: “Deveras, todos os moradores do Distrito de Antônio Pereira – e o próprio Ministério Público – foram surpreendidos ao receberem a informação da elevação do nível da barragem. Por fim, destaque-se que em Antônio Pereira a requerida não aplicou os protocolos anteriormente adotados em situações semelhantes como a de Nova Lima, na mina Mar Azul, em que houve o acionamento das sirenes de segurança após a elevação do nível de emergência para o nível 2 do Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), suscitando dúvidas na população, que não sabe como agir. A falta de uniformidade quanto aos protocolos de alerta e informação adotados pela Requerida em casos semelhantes, evidencia a imperiosa necessidade de que seja assegurado aos atingidos o pleno direito à informação, uma das principais reivindicações dos moradores do Distrito, exteriorizado, inclusive, na lista de reivindicações à fl. 448. Além do direito à informação, a Requerida tem se furtado a ofertar aos atingidos o auxílio de que eles necessitam em virtude dos prejuízos imediatos que tem experimentado em virtude da evacuação forçada de suas residências.”

O Inquérito é encerrado com 13 pedidos, o primeiro é o bloqueio de R$ 1 bilhão ele é assinado por:

Aline Silva Barros, Domingos Ventura de Miranda Júnior, Flávio Jordão Hamacher Promotores de Justiça de Ouro Preto, além de André Sperling Prado, Promotor de Justiça, Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos); Francisco Chaves Generoso, Coordenadoria Regional da Bacia do Rio das Velhas e Paraopeba das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Leonardo Castro Maia, Promotor da Coordenadoria Estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo.

A seguir o pedido inicial que resultou no bloqueio de R$ 50 milhões:

“1. seja decretada a indisponibilidade dos bens da Requerida, no valor de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais), efetivando-se, inicialmente, o bloqueio de valores depositados em instituições financeiras através do BACENJUD e, caso não exista numerário suficiente, a indisponibilidade de automóveis através do RENAJUD e de bens imóveis mediante expedição de ofícios aos cartórios de imóveis de Belo Horizonte/MG, Mariana/MG, Itabirito/MG, Itabira/MG e Ouro Preto/MG;”

Íntegra da decisão judicial

“Ante o exposto, DEFIRO, PARCIALMENTE, A TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR EM CARÁTER ANTECEDENTE, para determinar: 1. o bloqueio, via Bacenjud, do montante de R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), em contas bancárias da empresa ré, para garantia, exclusivamente, do ressarcimento de eventuais prejuízos decorrentes da remoção compulsória das pessoas residentes na possível área de alagamento na hipótese de rompimento da Barragem Doutor, pertencente à ré;

  1. que a ré providencie moradia adequada, por meio de aluguel de imóveis e, enquanto não for encontrado o imóvel adequado, através do custeio de diárias em hotel ou pousada, a todas as pessoas que forem removidas de suas residências em razão da evacuação da área de possível alagamento na hipótese de rompimento da Barragem Doutor, pertencente à empresa ré, no prazo de 10 (dez) dias (tendo em vista o prazo final para remoção das famílias atingidas);
  2. seja assegurado, pela ré, a todas as pessoas removidas/deslocadas, até que ocorra o reassentamento definitivo, ou, eventualmente, retorno para as suas casas: 3.1. que a forma e o local de abrigamento sejam realizados conforme escolha da pessoa a ser removida, garantindo-se a dignidade e adequação dos locais às características de cada família, sempre em condições dignas ou melhores às anteriores à remoção; 3.2. o custeio de todas as despesas relativas ao transporte dos bens das pessoas removidas; 3.3. a adoção de providências, no prazo de 5 (cinco) dias, para a segurança dos imóveis desocupados contra saques e roubos, ainda que remotamente e/ou com a instalação de estruturas de segurança nas áreas de entorno das áreas desocupadas;
  3. que a ré proceda ao pagamento, mensalmente, em espécie, do valor correspondente ao custo de uma cesta básica, conforme apurado pelo Dieese, no montante de R$ 429,30 (quatrocentos e vinte e nove reais e trinta centavos), por núcleo familiar, além do valor referente ao pagamento emergencial previsto do item 5, infra, assegurando-se, também, aos que estiverem em hotéis ou pousadas, o direito a, no mínimo, 03 (três) refeições diárias por pessoa, no valor de R$ 20,00 cada, até que ocorra o reassentamento definitivo, em quaisquer das hipóteses;
  4. que a ré inicie o pagamento, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da remoção, até o reassentamento definitivo, de prestação mensal emergencial, no importe de 1 (um) salário mínimo a adultos, 1/2 (meio) salário mínimo aos adolescentes e 1/4 (um quarto) de salário mínimo às crianças, a todas as pessoas que forem removidas de suas residências; 5.1. para o cumprimento da obrigação acima estabelecida, a ré deverá, através de seu próprio quadro de funcionários ou mediante a contratação, às suas expensas, de pessoa jurídica, executar as atividades de gerenciamento dos pagamentos e análise dos requisitos;
  5. que a ré preste assistência psicológica às pessoas removidas de suas residências;
  6. que a ré garanta o transporte escolar aos atingidos, tão logo retomadas as atividades escolares, com a cessação do isolamento social imposto em razão da pandemia de COVID-19, causada pelo novo coronavírus;
  7. que a ré informe ao Juízo, no prazo de 5 (cinco) dias a contar do término do processo de remoção compulsória dos residentes na possível área de alagamento na hipótese de rompimento da Barragem Doutor, a relação das famílias removidas de suas moradias, os locais em que elas se encontram e o relatório circunstanciado de todas as ações de apoio a essas pessoas;
  8. que antes de proceder a qualquer nova remoção, a ré disponibilize profissional de saúde capacitado para realizar avaliação da situação de saúde de todas as pessoas a serem removidas, buscando verificar se há suspeita de contaminação pelo novo coronavírus. Em caso positivo, deverá encaminhar o paciente com suspeita de contaminação à unidade de saúde de referência do Município de Ouro Preto para monitoramento, diagnóstico, confirmação do caso e tratamento;
  9. que a ré disponibilize máscaras cirúrgicas, óculos de proteção ou protetor facial e luvas de procedimento, bem como preparação alcoólica a 70% para a higiene das mãos e lenço de papel para o caso de tosse, espirros ou secreção nasal, aos profissionais responsáveis pelo transporte das famílias e pelo empacotamento dos bens e transporte até o destino final, e também às famílias a serem removidas, durante toda a locomoção, como forma de evitar o contágio pelo coronavírus. Em caso de descumprimento das medidas acima impostas, fixo multa diária de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), limitada a R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Postergo a análise do requerimento de inversão do ônus probatório para o momento processual oportuno. Intime-se o autor para, no prazo de 30 (trinta) dias, aditar a inicial, nos termos do art. 308 do CPC. Saliento que, não obstante o pedido de dilação do prazo em questão, o requerimento não encontra amparo legal. Cite-se a ré, nos termos dos artigos 306 e 307 do CPC.
    Intimem-se. Cumpra-se. Ouro Preto, 14 de abril de 2020. KELLEN CRISTINI DE SALES E SOUZA”

Fotos: Marcelino de Castro


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