Produtores culturais temem burocracia da Lei Paulo Gustavo

Eles receiam que a regulamentação da norma possa dificultar a liberação de recursos federais para a cultura

A burocracia para acessar os recursos da Lei Paulo Gustavo preocupa gestores públicos municipais e produtores culturais, especialmente de cidades do interior do Estado. Eles participaram de audiência pública da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta sexta-feira (05/04).

Lei Paulo Gustavo, que homenageia o humorista que morreu vítima da covid-19 em maio de 2021, autoriza o repasse de cerca de R$ 3,86 bilhões de recursos federais a estados e municípios para o fomento de atividades culturais. O objetivo é atenuar os prejuízos acumulados por esse setor ao longo da pandemia de covid-19.

Do total de recursos a serem liberados, cerca de R$ 2 bilhões são reservados para o setor de audiovisual. O restante dos recursos – R$ 1 bilhão – serão divididos entre outras atividades culturais. No caso de Minas Gerais, o Governo Federal deve repassar R$ 182 milhões para o Governo do Estado e outros R$ 197 milhões para as prefeituras.

A norma foi sancionada em julho de 2022, mas ainda não foi regulamentada. A equipe do Ministério da Cultura (MinC) que está produzindo o documento técnico com a proposta de regulamentação tem até o dia 16 de abril para concluir seu trabalho.

O receio de gestores municipais e produtores rurais é quanto à burocracia exigida para a aprovação dos projetos e para a posterior prestação de contas. Em muitas cidades, especialmente aquelas de menor porte, falta qualificação técnica para compreensão dos editais e submissão de documentos.

Essa preocupação foi expressa pela subsecretária municipal de Cultura de Itambacuri, Larissa Stefanny Martins Araújo. Segundo ela, a cidade do Vale do Mucuri deve receber R$ 225 mil, sendo que 80% desses recursos têm que ser destinados à produção audiovisual. “Como vamos distribuir esse dinheiro para o audiovisual, se as pessoas não sabem nem escrever projeto?”, questionou.

Para a subsecretária, o ideal seria mudar a distribuição dos recursos, de modo a beneficiar outras manifestações culturais do município, como artesanato, capoeira e congado. “Nossa realidade é diferente das capitais. Estamos construindo a cultura na nossa cidade”, argumentou.

A falta de informação para elaboração de projetos também é uma preocupação em João Monlevade (Região Central do Estado), segundo a presidente da Fundação Casa de Cultura, Nadja Lírio Furtado. Ela pediu que o Governo do Estado ajude as prefeituras com a produção de cartilhas informativas e defendeu a desburocratização do processo de prestação de contas dos projetos aprovados.

A produtora cultural Aryanne Ribeiro também cobrou suporte técnico do Estado para os municípios. Ela manifestou receio quanto à transferência da Empresa Mineira de Comunicação (EMC) da estrutura da Secretaria de Estado de Cultura para a de Comunicação Social, conforme propõe a reforma administrativa aprovada pela ALMG em 1º turno. “Como se garante a atuação da EMC na operacionalização da Lei Paulo Gustavo?”, questionou.

Já a coordenadora cultural do Quilombo dos Arturos, em Contagem (RMBH), Gracielly Naiara Silva Veloso, cobrou mais clareza e objetividade dos editais. “Venho de uma comunidade centenária, com 115 anos de produção de cultura e conhecimento, e ainda é um desafio entender essas legislações, que têm caráter emergencial”, alertou.

MinC diz que foco não é na burocracia

O coordenador-geral na Diretoria de Assistência Técnica a Estados e Municípios do MinC, Binho Riani Berinotto, garantiu que os procedimentos para acessar os recursos da Lei Paulo Gustavo serão simplificados. Segundo ele, a regulamentação está sendo amplamente discutida com a sociedade civil e com gestores municipais e estaduais, e a submissão dos projetos será facilitada por meio de uma plataforma digital.

Ele também assegurou que o MinC vai elaborar cartilhas e manuais com orientações sobre a lei. “O foco da prestação de contas será no produto cultural gerado, e não na papelada burocrática”, afirmou.

Já o subsecretário de Estado de Cultura e Turismo, Igor Arci Gomes, admitiu que a execução da Lei Paulo Gustavo é um desafio. Mas lembrou que, em Minas Gerais, a Lei Aldir Blanc 1, que também beneficiou o setor cultural durante a pandemia de covid-19, teve 99,9% de seus recursos executados.

Segundo o subsecretário, o Estado já iniciou a capacitação dos municípios e a plataforma digital a ser utilizada para a submissão de projetos será de fácil compreensão. Ele lamentou a cobrança de imposto sobre os recursos repassados aos artistas, que são exigências da legislação federal.

Parlamentares querem recursos para a cultura

A audiência pública foi solicitada pelo deputado Professor Cleiton (PV), presidente da comissão, e pelas deputadas Lohanna (PV), vice; Macaé Evaristo (PT) e Andréia de Jesus (PT). 

Para a deputada Lohanna, o acesso aos editais e as exigências da prestação de contas das leis de incentivo à cultura são gargalos imensos, especialmente para os produtores culturais do interior do Estado. “Se não desburocratizarmos esse processo, não conseguiremos fazer com que os recursos sejam gastos adequadamente”, afirmou.

O deputado Professor Cleiton reforçou a necessidade de melhorar a infraestrutura da Secretaria de Estado de Cultura de forma a atender de forma eficiente e democrática as iniciativas culturais em todos os 853 municípios mineiros. “Fomos contra a inclusão do turismo na estrutura da Secretaria de Cultura e fomos derrotados. Essa primeira reforma administrativa já gerou dano ao setor”, lamentou o parlamentar.

Já a deputada Andréia de Jesus defendeu que as políticas públicas precisam beneficiar o povo negro, como reparação pelos 300 anos de escravidão. “Não queremos palácios, palcos. Nossa cultura é feita nas ruas. E onde está o povo negro nas políticas do nosso Estado?”, questionou.

A deputada Leninha (PT) defendeu que os recursos públicos financiem todas as manifestações culturais. “Temos o compromisso de fazer com que o dinheiro chegue para trocar o couro de um tambor”, disse. Por sua vez, a deputada Macaé Evaristo cobrou a participação dos fazedores de cultura no processo de implementação da Lei Paulo Gustavo pelo Estado.

O deputado Mauro Tramonte (Republicanos) defendeu a descentralização de recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, como propõe o Projeto de Lei (PL) 2.976/21. Ele disse que vai solicitar ao governador Romeu Zema o desarquivamento do projeto, que é de autoria do Poder Executivo.

Fonte: Assessoria ALMG


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