Cansadas de esperar, famílias que ainda não foram retiradas do entorno da barragem do Doutor reclamam da falta de comunicação e prometem novos protestos

Apesar das campanhas e medidas amplamente divulgadas pela Vale, a confiança nas ações promovidas pela empresa para evitar mais acidentes com seus depósitos de rejeito de minério de ferro ainda não foi restabelecida.

Assombrados pelo medo de também perderem suas vidas em novo mar de lama, a comunidade de Antônio Pereira se mobilizou na manhã de quarta-feira, 1º de dezembro, e fechou a MG 129. Os manifestantes bloquearam o trevo que dá acesso ao reassentamento Novo Bento Rodrigues, cobrando atitude da Vale em relação a remoções e segurança das obras de descaracterização da Barragem Doutor, da Mina Timbopeba, em Ouro Preto. Eles se queixam da dificuldade de comunicação e da demora da Justiça para solucionar a questão. Também cobram uma assessoria técnica independente no território para avaliar os riscos reais que as obras representam.

Em nota sobre a manifestação, a Vale anunciou que “respeita a livre manifestação desde que observado o direito de ir e vir”. No entanto, a população reclama que a própria Vale, em companhia do Ministério Público e da Defesa Civil, comandou recentemente o bloqueio de ruas do distrito, nos locais onde famílias foram retiradas, o que revoltou os moradores por ter sido feito sem nenhum aviso prévio. A medida arbitrariamente adotada causou ainda mais insegurança naqueles que permanecem na espera de serem removidos para um lugar seguro.

O secretário de Defesa Civil, Juscelino dos Santos Gonçalves, informou que a Coordenadoria Municipal só atua mediante uma série de condições e, no caso do fechamento das ruas no Pereira, segundo o Plano de Segurança acordado para o território, cabe à Vale comunicar com antecedência à comunidade todas as ações a serem empreendidas no local. Juscelino conta que, ao perceber que a empresa só havia notificado os moradores pouco antes do bloqueio acontecer, imediatamente, recomendou que a ação fosse interrompida, principalmente, pela ausência de uma via alternativa segura fora da zona de autossalvamento (ZAS), e ainda porque previa o isolamento de uma área que dava acesso a duas bombas d’água, essenciais para o abastecimento das residências de algumas famílias. Segundo ele, os moradores só foram informados na mesma manhã do bloqueio, o que causou um clima de tensão no território: “Por diversas vezes as atividades foram interrompidas pela Defesa Civil, em razão da identificação de falhas importantes de comunicação entre a Vale e a população. Concordamos com a necessidade do fechamento, desde que realizado com responsabilidade e respeito aos cidadãos”, disse o secretário. Juscelino também informou ao Diário de Ouro Preto que pretende propor, na próxima semana, um encontro com a comunidade  do Pereira, para estreitar a comunicação e esclarecer dúvidas da população.

Já o Ministério Público de Minas Gerais informou que hoje existem três núcleos familiares na zona de autossalvamento (ZAS), tendo as demais famílias sido removidas pela Vale. Há resistência da empresa em remover um dos núcleos e os outros dois estão resistindo a sair por estar em processo de negociação com a Vale a respeito de indenização. Em relação às famílias que se encontram fora da ZAS, porém em área adjacente, a Vale está para concluir um estudo que irá apontar o real risco da permanência no local. Tal estudo era para ter sido finalizado em agosto deste ano, mas atrasou e deve ser concluído em janeiro de 2022.

Carla Dias, moradora de Antônio Pereira, que também participou do ato realizado na manhã desta quarta-feira, organizado pelo grupo Mulheres Guerreiras de Antônio Pereira e a Frente Mineira de Luta dos Atingidos e Atingidas pela Mineração em Minas Gerais, conta que  nem a chuva desanimou os manifestantes: “A Vale não considera que as pessoas estão em risco, mas as famílias estão com muito medo, e antes um banho de chuva do que um banho de lama, não podemos ficar parados esperando a morte chegar”.

Recentemente, o temor e a desconfiança com as obras realizadas pela Vale foram acentuados depois que o canal vertedouro, estrutura inaugurada há cerca de dois meses pela empresa para evitar o acúmulo de água na barragem, não resistiu às chuvas das últimas semanas. Segundo os manifestantes, a construção do canal também foi feita sem aviso prévio e, diante disso, prometem realizar novos atos até que suas reivindicações sejam atendidas pela empresa mineradora.

REIVINDICAÇÕES APRESENTADAS NA PARALISAÇÃO DA MG-129

Informações independentes e confiáveis sobre a segurança da Barragem Doutor e sobre os impactos das intervenções da Vale no território.

Imediata implementação da Assessoria Técnica Independente no território.

Retirada de todas as famílias moradoras do entorno da barragem e que se sentem inseguras em suas moradias.

Maior investimento na estrutura de saúde do distrito.

Reconhecimento dos garimpeiros atingidos que estão sem fonte de renda devido a interdição da área de garimpo pela mineradora.

Reparação pelos danos ambientais causados pelas obras executadas pela Vale.

Permanência da Barragem Doutor no nível 2 de segurança.

Maior ação da prefeitura em relação aos direitos dos atingidos e execução de políticas públicas de saúde, abastecimento de água, educação, no distrito.

Acesso gratuito a água de qualidade.

RESPOSTA DA VALE

“A empresa não tem medido esforços para garantir que as pessoas impactadas pelas evacuações em Antônio Pereira sejam reparadas integralmente, de forma justa e célere. A empresa desenvolve, com ampla participação da comunidade de Antônio Pereira, o Plano de Compensação e Desenvolvimento, um conjunto de projetos realizados pela empresa com o objetivo de contribuir para que as comunidades impactadas possam retomar suas condições de vida anteriores. Entre elas, há ações nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento social, esporte e infraestrutura. Outras ações que irão compor o plano estão sendo construídas com a sociedade e contemplam desenvolvimento econômico, cultural e de sustentabilidade. Sobre a questão da Assessoria Técnica, a empresa ressalta que está cumprindo todas as determinações judiciais proferidas.

SOBRE NOVAS REMOÇÕES: A barragem Doutor permanece em nível 1 de emergência, conforme diretrizes estabelecidas no Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) e na legislação brasileira. Como não houve alteração no nível de emergência da barragem Doutor, não há, portanto, previsão de novas evacuações.”

Victor Stutz, para o Diário de Ouro Preto