Victor Stutz, para o Diário de Ouro Preto
O procurador-geral de Ouro Preto, Diogo Ribeiro dos Santos, em entrevista exclusiva concedida ao Diário de Ouro Preto, apresentou documentos e descreveu detalhes do inquérito sobre o risco geológico na cidade. Trata-se de um processo já se arrasta há dez anos no Ministério Público e, depois do desastre que soterrou dois imóveis na Praça da Estação, virou destaque na imprensa nacional. Esta, induzida por uma nota divulgada pelo Ministério Público de Minas Gerais, chegou a atribuir a causa do acidente ao fato da Prefeitura não ter cumprido o prazo para entrega de alguns documentos solicitados no inquérito. Segundo a nota do MPMG, em novembro do ano passado “foi concedido prazo de 30 dias para que o Município apresentasse documentação atualizada das medidas adotadas para a prevenção de desastres decorrentes de risco geológico. O prazo se esgotou sem manifestação”.
Em uma análise mais cuidadosa dos fatos apresentados pelo procurador, não é difícil constatar que a tragédia que consumiu o Solar Baeta Neves, casarão histórico do início do século XX, não seria evitada mesmo que tais documentos fossem anexados ao processo, já que as informações solicitadas não resultariam em nenhuma intervenção no local. A polêmica trouxe à tona vários outros riscos geológicos que cercam a cidade de Ouro Preto, e acendeu também uma discussão mais profunda sobre as dificuldades envolvidas no trâmite de qualquer medida de preservação do Patrimônio Material em todo o Brasil. Diogo explicou que, aos municípios não é permitido empreender intervenções sem antes cumprir um longo e árduo caminho que passa por muitos setores dos governos estadual e federal. Nem a qualquer entidade ou cidadão. Segundo ele, “há diversas restrições estabelecidas pelo IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, órgão que detém a responsabilidade de “aprovar os projetos de contenção em área compreendida dentro do perímetro tombado”.
Diogo relata que vários estudos buscaram soluções para o problema do Morro da Forca, e a maioria das intervenções apresentadas se limitava à redução do risco na área onde ocorreu o desastre: “Nenhum muro de arrimo seguraria o volume de terra que desceu”, acredita o procurador, “e as soluções mais arrojadas sugeridas até agora, como uma obra que envolveria maquinário de grande porte, poderiam até desencadear o desastre”. Explicando o inquérito instaurado em 2012 no MPMG, ele esclarece que não se trata de um processo específico para aquela área, mas relativo aos problemas geológicos que circundam toda Ouro Preto de uma forma geral, e a probabilidade do Morro da Forca “despencar” já era sabida por todos.
Sobre o descumprimento do prazo para entrega da documentação solicitada, o procurador Diogo Ribeiro dos Santos esclarece que a demora no atendimento da demanda, uma atualização sobre as políticas públicas de prevenção, só aconteceu porque as equipes que providenciariam o laudo precisaram ser mobilizadas para atender a população em razão das fortes chuvas que vêm castigando a região desde o mês de outubro até poucos dias atrás. Um ofício com a justificativa foi encaminhado ao Promotor de Justiça da 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Ouro Preto, Lucas Pardini Gonçalves, porém, o Ministério Público parece tê-lo desconsiderado, pois ainda sustenta a nota que, de forma equivocada, induz o leitor a crer que os tais documentos, se anexados ao inquérito poucos meses antes do desastre, evitariam a queda da grande massa de terra que desceu.
Provavelmente, o mais coerente para o caso do Solar dos Baeta, edificação concluída em 1902 por insistência de seu antigo proprietário, que chegou a “cortar” a base do morro para realizar seu intento de inaugurá-la na área considerada a mais próspera da época na cidade, seria tê-lo “desmontado” em tempo de salvar as relíquias utilizadas na sua construção, ou mesmo para reconstruir o casarão em outro local mais seguro. Porém, além de envolver um enorme investimento, podemos supor que dificilmente uma empreitada de tal grandeza cumpriria o trâmite junto aos órgãos responsáveis em tempo de salvá-lo. Não no Brasil.
Enfim, o desastre do Morro da Forca serviu mesmo para comprovar que a cidade patrimônio mundial, berço formal do ensino de Geociências no Brasil, iniciado com a instalação da Escola de Minas de Ouro Preto, em 1876, está ciente há décadas da gravidade dos diversos problemas geológicos que circundam toda Ouro Preto. E, enquanto a burocracia impede a efetivação de soluções práticas, resta recomendar à população que faça uso do aplicativo da Defesa Civil, que mostra em tempo real as áreas de risco mapeadas no município e possibilita a qualquer cidadão acompanhar a quantidade de chuva, além de contribuir enviando informações que podem ajudar a evitar novas tragédias.
Hoje, depois de tantas tempestades, e ainda assombrados pela insegurança causada também pelo aumento descontrolado do número de contaminados pelo coronavírus no município, o que os ouro-pretanos estão vivenciando é algo bem próximo de um cenário de guerra: fitas zebradas isolando escombros e áreas em risco por todo lado, trânsito tenso e caótico com placas improvisadas, ameaça de desabastecimento de determinados produtos básicos, famílias desalojadas, desabrigadas ou dormindo com medo de serem surpreendidas a qualquer hora por um desastre que pode consumir seus lares, suas vidas.